10 – Realidade I – O Samaritano

Demonstrando magistral inteligência e profunda compreensão da fragilidade do homem em discernir e compreender o conteúdo oculto nos seus ensinamentos, o Mestre Nazareno sintetizou-os em dois preceitos: “Amarás a Deus sobre tudo e ao próximo como a ti mesmo”. Este procedimento nos autoriza a dizer que toda a sua doutrina gira em torno destes dois únicos preceitos.

Se o reencarnacionismo é tido como esclarecedor dos ensinos do Mestre Nazareno, de maneira integral e, não aceitando o salvacionismo mas sim o evolucionismo, obviamente aceitará a síntese por ele exarada que, por encadeamento natural, será também evolucionista.

Tanto um quanto outro nos dizem da vida íntima sensorial, cuja apoteose é o amor.

Se nos ativermos tão somente à letra, basta amarmos a Deus e ao próximo e será, portanto, o suficiente, sentir o amor a Deus e ao próximo.

Será esse o espírito da expressão? Vejamos: um dos ensinamentos nos esclarece de maneira indubitável, que não é o suficiente e, diz mais, que amor é um efeito e não causa, quando se trata do próximo ou no referente a Deus.

Tomemos, pois, a parábola do Samaritano.

O Samaritano

E eis que certo homem, “intérprete da lei”, interpelou o Nazareno, consoante a concepção da época, sobre como herdar a vida eterna, o que hoje seria viver intimamente, e o Nazareno também em resposta, pergunta: “- O que está escrito na lei? Como interpretas?” (Lucas, 10:25 a 37). Responde o intérprete da Lei: “Amarás o Senhor de todo o teu coração, alma, forças, entendimento e ao próximo como a ti mesmo” .

O Mestre então aconselha: “Vai, faze (fazer é realizar) isto e viverás”. “Mas, quem é o meu próximo?”

Ante tal interrogação, o Mestre usando sempre a parábola, propõe a do Samaritano, começando por referir-se ao sacerdote que vendo o ferido, passou ao largo e, logo após, o levita, ambos conhecedores da lei, que também faltou com o socorro.

Vindo, porém, o Samaritano, homem que, segundo a lei e a religião hebraica, era considerado herege, desligado, portanto, do templo comum e, ao deparar com o homem estendido na estrada, desce da montaria, presta-lhe os primeiros socorros, transporta-o a estalagem, onde paga dois dinares e, assume a responsabilidade de todo tratamento, durante sua ausência.

Tomada em sua letra, a parábola não deixa transparecer a profundidade do espírito evolucionista, mas se analisada em suas características hermenêuticas, traduz todo arcabouço da vida de relação humana, traduzindo realmente a evolução do homem, já conseguida.

Ocorre-nos uma pergunta: Porque teria o Mestre feito referência a um sacerdote e a um levita, colocando-os em situação desairosa, pela ausência de humanidade? E porque a um herege samaritano, o Mestre exalta como o próximo?

Não só esta como todas as parábolas e ensinamentos do Rabi se fundam na dinâmica atuante, espontânea e total.

Está bem claro, portanto, que só o conhecimento de todas as leis e, mesmo a circunstância de ser um sacerdote, ou outro título congênere, não determina no espírito o nascimento do amor ao próximo, menos ainda, nos moldes do samaritano, cujo procedimento adveio de maneira espontânea, sem ter em mente se Deus iria recompensá-lo. Ali estava o próximo, o humano, extravasando de maneira natural a vida interior, de que já se constituía aquele espírito. Viveu, portanto, o ato; ali estava a vida amor, efeito da evolução, no que concerne à sensibilidade, desabrochada pelas reencarnações sucessivas e completamente desligada de qualquer religião, como bem demonstra o próprio fato, ressaltado pelo Nazareno, ao trazer a narrativa, o sacerdote e o levita.

Após a diligência motivada pelo imperativo do momento, conta-nos o grande Rabi que o samaritano, demonstrando também desenvoltura intelectual, houve por bem prevenir o futuro, assumindo a responsabilidade até que se completasse o restabelecimento, colocando-o em situação de decidir como criatura válida. Aí está a “dinâmica atuante”, remediando e prevenindo, divorciada de qualquer princípio religioso condicionante e, completamente esquecida dos mesquinhos “lucros espirituais”.

É o amor.

Ditava evolução, alicerçada no intelecto-sensorial, desenvolvido através do tempo e ordem, fatores únicos. Vemos que a ação em ambos os sentidos, se reveste de características humanas, portanto, de prática comum na vivência diária, no âmbito da sociedade, por pessoa também anônima, um homem do povo, um samaritano.

Se o sacerdote e o levita houvessem procedido de maneira idêntica, teríamos duas conjecturas a considerar. Ou seriam dois evoluídos samaritanos, ou teriam procedido pela imposição da lei, o que bem demonstraria a obediência a conceitos éticos estatuídos, o que os colocaria, distanciados um do outro, porque teriam simplesmente cumprido “ordens”, sem conhecer da vivência sensorial motivada pela espontaneidade do ato.

Teríamos o porquê agir e não como agir, sem cogitar do porquê “motivação interesse”.

Esta parábola deve ser dividida em dois itens para que tenhamos clareza do seu conteúdo, aos quais denominaremos “Hoje-amanhã”. Convém, antes, esclarecer que a doutrina do Nazareno, ainda que assim as aparências nos digam, não se circunscreve a uma ou grupos de pessoas, é de referência a toda humanidade quer encarnada ou desencarnada.

Quando Jesus diz: “Aquele que…”, estabelece o condicional sem limitar quantos, “daqueles que…”. Ainda aqui prevalece a espontaneidade samaritana de maneira sucinta. Ora, só poderá decidir-se a ser “Daqueles que…” uma inteligência desenvolvida, que possa alcançar a magnitude do “ser aquele…”, em função do cooperativismo consciente, natural, espontâneo e despretensioso, como bem demonstra o samaritano.

Duas interpretações comportam a parábola: a primeira é a religiosa, e por extensão, espiritismo-religioso, que dizem ser o exemplo de caridade, e a segunda, a que entende os ensinos do Nazareno em seus princípios reais, ser apenas atitude humana natural de caráter social fraterno.

A primeira dá como atitude básica ou causa da evolução, o samaritanismo caridoso e, a segunda tem como simples efeito da evolução, porque não busca como a primeira, através do próximo, mas vive-a no exemplo citado pelo Mestre.

Como evoluir para chegarmos ao samaritano? A pergunta demanda outra, para poder ser respondida: – A evolução é individual ou coletiva?

Antes de responder, devemos pensar e definir o que seja evolução. Para tanto, temos que penetrar no terreno do princípio do espírito, que nos conduzirá para a lógica de que, sendo o Criador perfeito, só poderia originar o perfeito.

Perfeito entende-se por completo em todos os sentidos, ou seja, intelecto-sensitivo, já portador da inteligência e sensibilidade em grau máximo permissível ao eterno relativo que somos.

Todavia, pelo processo amnésico descendido, torna-se todo esse cabedal incubado, até que o espírito atinja a gradação mínima sensitiva e intelectual, partindo daí, agora pelo progressivo e retornando ao máximo, em que permanecerá eternamente. A evolução é o despertar das faculdades inerentes e constitutivas do espírito desde sua origem.

Em sua origem o espírito é, portanto, a inteligência e sensibilidade perfeitas, mas, que não tem conhecimento, que ignora as leis universais criadoras e regentes de toda a natureza e, exatamente pelos processos reencarnatórios nos quais, pelo labor, a princípio rudimentar e em planetas ainda agressivos com o habitat também rudimentar, vai suplantando as necessidades, sempre em sentido ascendente e gradativo, o que, pelo contínuo exercício, vai despertando o potencial intelectual para o campo consciencial racional e, através do conhecimento das leis (processo científico evolutivo), vai compreendendo a grandeza do Criador. Por essa compreensão advém a sensibilidade.

Só pode em realidade emocionar-se ante a grandeza de um evento, aquele que o compreende em toda a sua extensão, e que traduz a linguagem espiritual com que se expressa Daí a importância do desabrochar do intelecto pela cultura e labor.

Devemos conhecer que um espírito é uma unidade da facção da humanidade, que há bilhões de milênios, agregou-se a determinado planeta (digamos a Terra) e, após bilhões de séculos de vida comunal, em estado cônscio-elementar, foi evoluindo até o período cônscio-base-homem começando a etapa da consolidação da consciência-razão-emotividade, e será até o limite máximo que deverá alcançar toda esta parcela da família humana pertencente ao planeta.

Dentro desse limite impera o livre-arbítrio individual; quanto mais avançado estiver o espírito, maior responsabilidade assume para com os demais. Não podendo em hipótese alguma, desligar-se dessa família, torna-se condutor (missionário intelectual) político de idéias sociais retificadoras avançadas, luta por ideais de liberdade, cultura, educação, porque só promovendo esse avanço total, poderá alçar-se com o conjunto, para unir-se a famílias milhões de vezes maiores, e iniciar nova etapa evolutiva no círculo conjuntivo. Só dentro dele é que se entende a evolução individual visto que, se fosse dado ao espírito a possibilidade da evolução unitária, teríamos limitado o amor ao próximo até o termo em que o extremo evolutivo permitisse a relação entre ele e o encarnado, relegando-os, posteriormente, à sua própria sorte. Temos ainda a considerar, que há bem pouco, a humanidade terrena iniciou a etapa-cônscio-racional evolutiva, não oferecendo campo intelectual, sensorial em magnitude que permita a um só e único espírito, completar o ciclo evolutivo básico, que admitiria o início de mais avançados. Não entendamos uma família humana, agregada a um orbe como isolada das demais, no sentido exato mas, por força da diferenciação evolutiva, quando a relação comum, tangível, ou a convivência torna-se impossível e, só ao atingir o grau de evolução requerido, se somará aos milhões de outras.

Todavia, de um círculo evolutivo imediatamente superior, deslocam-se instrutores, penetrando no âmbito imediatamente inferior, até onde lhes seja possível suportar o campo magnético vibracional, entram em contato com os mais evoluídos do planeta que já gozam de maior liberdade de afastamento da crosta, onde o referido campo é menos denso, e estes colhem daqueles, ensinamentos das mais variadas ordens, até os limites do seu entendimento. Por sua vez, quando encarnados retransmitem à sociedade, quer em termos de ciência, cultura, legislação e os concretizam em benefícios pelos chamados inventos e outras utilidades. Assim também procedem quando desencarnados ensinando-os na carne e, aos da erraticidade.

É claro, e a história da ciência e, mesmo da evolução social comprova, que nenhuma realização vem através de um ser único e, de maneira completa, porque compete ao próprio homem o trabalho de assimilação, dedução, experimento e concretização. Desde que se complete este processamento, ser-lhe-á fornecida a mais avançada e, unida às demais , vai se aperfeiçoando (evoluindo) isto, em todos os campos da atividade humana, no tempo-espaço-ordem. Onde o mérito da evolução? Respondo: “Muito será pedido a quem muito foi dado” (basta raciocinar).

Em termos claros, a evolução do espírito concerne em: pelo esforço racional, entender e assimilar as leis universais e manuseá-las em termos construtivos, visando manter a harmonia do universo, cujo procedimento lhe acionará a via emo-sensorial, a que chamamos felicidade e outros. A ação do samaritano teve como objetivo harmonizar a situação do próximo, e como consequência, a resposta do Mestre: “Vai, faze o mesmo e viverás…”.

Só quando o espírito penetra pela evolução o “espírito das coisas”, ou seja, no limiar da verdade onde se inicia a verdadeira personalidade abstrata, independente da forma, passa a gozar da liberdade relativa das injunções tempo-ordem, para ver, tomar consciência, raciocinar, deduzir e experimentar.

O espírito interpenetra e convive com a essência das coisas, aurindo a sensibilidade das mesmas, compreendendo-as agora, pela causa das leis e não mais pelos seus efeitos.

Teremos entrado no amor a Deus, porque nossa compreensão paira acima de todas as coisas, cujo espírito interpenetramos e sentimos que, ainda e sempre, é um efeito da lei suprema ou o espírito supremo. Estaremos por nossa compreensão-sensibilidade amando-o em espírito e verdade.

Limitar a evolução até o estado angelical é limitar Deus através de sua obra.

Silenciar quando ignoramos é sensatez.

O proceder em termos samaritanos é o amanhã, em conseqüência do hoje, sendo que o hoje é apenas o labor e cultura evolucionando para compreender que o gesto do samaritano é gozar, já no próprio ato, a emotividade pura, a alegria de bem servir ao Criador e Pai na pessoa do seu próximo, desconhecendo das vantagens futuras, sem o calculismo caridoso do “dando que recebemos”. Em última análise inquirimos: Fazemos em função do amor em que já vivemos, ou usamos nosso próximo como mero instrumento de nossa evolução? Se o amor é a apoteose da vida interior, é uma tangente a Deus, só poderá vivê-lo quem já o é.

Temos que um samaritano é a conseqüência da evolução, e que a caridade, em termos místicos, distancia-se e muito dessa verdade. Temos ainda que, a evolução não tem como causa a caridade-esmola, pela qual o homem pretende usufruir da miséria material e moral de outro, a sua própria emancipação espiritual.

É no dizer de Saulo de Tarso (que não deve ser confundido com o dizer do Mestre Nazareno como tem acontecido), superior a todo ato material que não conduz a nada. Seria de bom alvitre que começássemos a entender, que toda ação material entra para o campo da obrigação fraterna, visando dignificar a pessoa humana, tornando-a útil e responsável como componente ativo e operoso da sociedade, para a qual concorre com os deveres e obrigações, do que decorrem seus direitos.

É claro que num clima intelectualmente evoluído, o homem passe a cogitar dos valores e objetivos superiores da vida ou seja, a transcendência das coisas que o rodeiam e, só então, estará em rumo certo na “busca da verdade”.

Estará construída a casa sobre a rocha.

 

 

Irmão Anthero

(recebido por via mediúnica)