11 – Relacionamento

Ao analisarmos os ensinamentos do Nazareno, podemos sentir-lhe a inteligência extraordinária, visto que, constrangido por um lado pela política romana de férrea dominação, e por outro, pela intransigência ortodoxa do templo, além da escassa cultura do povo, houve por bem desincumbir-se da missão que lhe fora confiada, envolvendo a pérola da verdade na ostra da parábola, e predizendo que dependeria de tempo e condições para que os mesmos fossem entendidos e passassem a dar os frutos objetivados, no dizer místico, necessário para a época quando o homem tiver “olhos de ver e ouvidos de ouvir”. O Evangelho é, na sua parte essencial, vazado no subjetivo envolvendo o objetivo (parábolas).

Ao que o entende na simplicidade do seu realismo, pode-se dizer que, até o presente, tem sido difundido tomando o subjetivo como pressuposto objetivo, o que não suporta uma análise à luz da razão e da própria sociologia pura. Tem como base elementar a disciplinação da unidade e, pela vida de relação, a disciplinação do todo que, uma vez alcançada, nos dará a dignificação da pessoa humana em termos de cultura e moral. É tudo.

Propõe, em relação à disciplina da unidade, o “exercício constante” da virtude básica que é a compreensão da “falibilidade do nosso semelhante”. É básico porque gera a tolerância, um dos estágios precedentes do amor. Tolerância e concordância operante-educativa, vazada no exemplo da cooperação inteligente, sem humilhar. Tolerância que transige com a ignorância, mas não a relega à sua própria sorte, e tal proceder, em contínuo, forma o hábito que, dentro dos fatores tempo-ordem, passa a constituir o íntimo-ser.

Propõe a continência aos exageros, inclusive dos prazeres biológicos desgastantes.

O Evangelho aconselha o exercício diuturno na retificação das distorções de ordem moral, visando conscientizar a criatura em relação ao respeito à sua própria pessoa, pela valorização da dignidade “in solo”, ou seja, independente de injunções externas, o que dará ao homem sentir o valor da liberdade íntima que é: ser porque quer ser; que respeita pelos ditames da consciência e não que obedece pelo imperativo das conseqüências.

Não traz proposituras que ultrapassam as possibilidades humanas, porque foi trazido ao homem para que por ele fosse posto em prática, e esclarece que o tempo gasto com preocupações pueris é roubado ao processo educacional. “Não estejais preocupados com o que haveis de comer ou beber”. Não exorta à preguiça ou à irresponsabilidade, mas deixa claro que quando fala o ventre, silencia a mente.

Quando fala do céu, estabelece o estado interior, conseqüência desse mesmo auto-processamento evolutivo.

O Evangelho dá à vida associativa extraordinário valor, como oportunidade de adestramento e consolidação disciplinar, tendente a desabrochar a sensibilidade positiva superior, a qual coloca um dos mais simples atos humanitários como de relevante importância, ainda que este ato seja dar um copo de água.

Fugindo ao evasivo das parábolas, no que toca ao fim precípuo dos seus ensinos, diz agora de maneira clara, que o céu e o inferno estão dentro do homem, o que não deixa margem a interpretações condicionais ou tendenciosas.

O Evangelho é sobremodo explícito quanto à lei de ação e reação, determinando que a reação seja diretamente proporcional e imediata à ação. À guisa de comentário: “Ainda que seja um copo de água”.

Ora, se mitigamos a sede do nosso semelhante, somente porque tem sede, estamos circunscritos ao imperativo do momento ou ao fato em si, o que equivale dizer que estamos vivendo o ato como se fôssemos o sedento. Ao sentirmos na satisfação do próprio dessedentado a nossa própria satisfação, consolida-se a lei de ação e reação, diretamente proporcional e imediata à ação. Isto pelo que compreendemos dentro do verídico evangélico, constitui o despertar e viver o céu interior, auto-motivado, que esclarece que e o que “cada um recebe segundo suas obras”. Trata-se de aquisições íntimo-abstratas, que não permitem reações de efeitos retardados ou por armazenamento, pois quem ama, ama enquanto perdurar o objeto motivador dessa reação, acionando a razão. Ama agora, hoje, aqui. Quem odeia vive o ódio em paridade de condições ao que ama.

Vemos, assim, que o homem é um auto-evoluto, independente de fatores externos de qualquer espécie, longe de aquisições exteriores independentes de outrem.

Convém dizer que o espírito, na erraticidade, é o mesmo homem-espírito quando encarnado e que o Criador do espaço é o mesmo que criou a Terra. Sabemos ainda, que os efeitos da vida sensitiva de uma unidade é conquista pessoal e, como tal, intransferível e inalienável, visto que é simplesmente impossível transmitirmos em concreto a nossa paz, a alegria, a tristeza, etc., porque são componentes próprios de cada espírito.

Ainda ouvimos do nosso Mestre, que só importam os tesouros do céu, e se o céu é o espírito segundo seu estado, tudo que conquistar lhe será como tesouro, onde inclui-se, sem favor, os de ordem intelectual, que jamais se desvinculam do ser, tornando-se dele parte inerente ou componente.

O Evangelho, este magnífico compêndio evoluto-promotor, é absolutamente independente em todos os seus sentidos, o que determina o divórcio de conceitos místicos ou místicos-sectários condicionantes e que não se estrutura na hediondez do “crime e castigo”, da subserviência-recompensa, ainda que velados na transitoriedade: “O Espírito é o que é, esteja onde estiver”, aurindo do ambiente segundo a sua sensibilidade. Vemos que o próprio Evangelho estriba-se unicamente no convite, no que concerne à realidade prática e jamais coage.

Com relação à tão assoberbada “Justiça Divina”, basta que nos reportemos a esta pérola indescritível de exemplo de compreensão da fragilidade humana, consubstanciada no célebre diálogo de Jesus: “… Mulher, onde estão os teus acusadores? Eu também não te condeno… Vai e não peques mais, para que a justiça dos homens, que não entendem a compreensão do Criador para com a sua própria criatura, não te justiciem segundo seu entendimento de justiça”. Existe algo mais a acrescentar?

 

 

Irmão Anthero

(recebido por via mediúnica)