25 – Graças a Deus

Há pessoas que dizem que a reencarnação é o enclausuramento da carne, ou ainda cárcere da carne. Por que cárcere da carne? Serão os filhos do Pai eternos convictos, eternos condenados?

Esta é uma denominação um tanto pejorativa, desconcertante, porque os que se encontram encarnados na Terra, estão num dos estágios da imensa escola de evolução. Por que cárcere, calabouço? Precisamos nos libertar desta mentalidade de criaturas escravas, pois ninguém encarcera seus filhos, e se o faz, é com muito amor. Somos filhos de Deus quando estamos encarnados ou desencarnados e em qualquer ponto do universo.

É justo que tenhamos que passar encerrados nas salas de aula um período em que devemos estudar e aprender. Grande mestra é a Terra, ensina sempre o espírito como viver, como agir e como deve sentir.

Existem degenerescências, sem dúvida, como em toda escola existem os néscios, os imbecis, os que vivem dentro da estultice. Sendo a Terra escola, não se pode esperar que existam só pessoas cultas, evangelizadas, boas, por ser escola. Assim sendo, vamos aceitá-la tal como ela é, ESCOLA. E uma escola é composta de seus diversos graus de ensino.

“Felicidade”

Felicidade, no seu sentido absoluto, demanda uma perfeição absoluta. Dizemos “felizes” face do que já conseguimos, porque se formos exigir a perfeição, ficaremos eternamente aguardando esta felicidade, que é um eterno relativo.

A felicidade é vivida segundo as conquistas de cada espírito. Cada avanço, cada progresso já traz um certo sentimento de paz, de equilíbrio, de um domínio relativo, e isto deve constituir felicidade.

O homem que planta, não se sente feliz somente depois da colheita. Ele observa o verdor das plantas, sente que ali dará espigas sobejas, tem uma previsão e vive aqueles instantes de emoção, de felicidade face ao trabalho já realizado, mas não completo, porque a evolução é eterna, tem caráter permanente no espírito.

Se já somos capazes de ter domínio sobre uma situação, já temos forças para 10%, já conseguimos um auto-domínio, isto já deve ser motivo de alegria, já deve constituir em si, uma motivação de luta maior, já é uma felicidade.

“Graças a Deus”

Quando dizemos “Graças a Deus”, não é bem “graças a Deus”, mas graças às oportunidades que o Pai dá para que nos sintamos bem, através das realizações, do esforço e do trabalho. Graças à oportunidade permanente porque neste “graças a Deus”, caímos naquele cunho de caráter absoluto de entregarmos a Deus a responsabilidade de tudo quanto temos que realizar, e Deus passa a ser o promotor de tudo.

Se dissermos: “graças a Deus” choveu, é esquisito e incoerente. Analisando concluímos que até aí está tudo certo, pois foi “graças” às leis eternas que regem o universo, que choveu.

“Graças a Deus”, eu sou feliz, tenho alegria. “Graças a Deus” tenho paz no meu lar, estou bem. Ora! Isto não é obra de Deus, não é Deus quem faz. “Se Deus quiser, tudo dará certo”. Deus pra lá, Deus pra cá e, vamos chegar a dizer: “Graças a Deus” um homem assassinou o outro, ou “Graças a Deus” os homens se desentenderam, e eclode uma guerra massacrando milhões! E então, será “Graças a Deus” também?

Podemos dizer que ficamos órfãos de Deus e não temos mais Pai? Por que não admitindo o “graças a Deus” ficamos mentalmente e emocionalmente órfãos, ou aleijados sem possibilidade de locomoção, pois nos tiraram as muletas? Deus é muleta deste caso.

Graças às leis que Deus nos dá, indiretamente podemos dizer: “graças a Deus”. Mas, e os crimes, os descalabros sociais e os desajustes, acontecem “graças a Deus” também? Ou graças à ignorância que ainda possuímos? É graças à preguiça mental, ao desleixo das coisas superiores que vem esta reversão, esta situação destruidora que nos deixa constrangidos. A verdade é uma só: se temos que evoluir, será que Deus vai evoluir por nós?

Diz-se “graças a Deus” eu consegui a virtude de ter paciência, senão, onde estará o mérito da pessoa? Para aquele que aceita a evolução do espírito será graças ao seu esforço que poderá viver, conseguir ser virtuoso em determinado sentido. Parece um tanto estranho porque é um hábito ferrenho e arraigado este de que Deus tem que ser o promotor da paz. E não será também da desordem?

Não temos um acerto, uma definição. Se é Deus quem promove a paz e as coisas boas, quem promoverá a parte desregrada e má?

Graças não a Deus, mas sim, às suas leis eternas e imutáveis, graças também às oportunidades que Ele nos dá, sem nos eximirmos das responsabilidades de construir a nossa própria felicidade, de estarmos bem segundo os nossos próprios esforços, a nossa própria luta. Precisamos reconhecer as “graças de Deus” segundo os princípios gerais, as possibilidades comuns a todos. Infelizmente esta expressão traz uma cunho de particularidade como se só aquela pessoa estivesse enredada nas “graças de Deus”. Seria viver no misticismo arcaico das indulgências, da benevolência parcimoniosa do Pai, no sentido de agraciar um e desagraciar outro.

Quando dizemos: “graças a Deus”, dá a impressão imediata de que somos nós única e exclusivamente os agraciados. Por quê? Com que direito? O que temos feito mais do que os outros para recebermos em caráter especial e particular as “graças de Deus”? Onde estão estas “graças de Deus”?

Ora, que um reinado esteja nas “graças” de sua majestade, vá lá! Mas, de um Deus, soberanamente justo e bom, nunca!

Se expressarmos este “graças a Deus” na consonância das suas leis eternas, imutáveis e imparciais (iguais para todos), é um reconhecimento de ordem geral, mas “graças a Deus” no sentido de ser agraciado com a estrela, com a medalha, pelo fato de se supor bom, de se supor sumamente religioso, e por qualquer evento, a criatura estará colocada na “graça de Deus”?

Vamos acabar de uma vez com esta “graça de Deus”. A justiça não sorri, ela é séria, mas é uma seriedade alegre, comunicativa, justa. Não é um tribunal. É uma justiça amiga, educativa, que vai modelando cada uma das criaturas.

Precisamos entender um Deus diferente, neste caso, princípio fundamental de justiça, criador de todas as leis conhecidas pelo homem, até o presente, um Deus que, sendo criador, sua vontade é que, partindo dos princípios da evolução, o espírito chegue até Ele. Não é ter Deus, mas evoluir, conquistar, buscar sempre.

“Deus”

O nosso Deus é diferente. É o Deus que criou o homem. Não é o Deus que nasce da concepção vinda dos primórdios do raciocínio humano. É um Deus que não admite parcialidades, que não se busca no céu, no empírico, numa criação de paraíso, que tem seu trono com Jesus à direita, não se sabe quem à esquerda, atrás, embaixo, ou em cima.

Nosso Deus é firme, seco, no qual a única poesia existente é a justiça. Seu amor pelas criaturas não é este amor perfumado que o poeta trovador canta cheio de eloqüência, um amor que os hinos vazios de sentimento pretendem ressaltar. Seu amor é paternal.

Contemple tudo. Busque em tudo que os olhos possam repousar, o milagre das leis, o milagre vivido na flor, no fruto, no céu, no mar, na terra: “Pela obra conhece-se o obreiro”. É a maneira pela qual este Deus pode se apresentar, porque a concepção do homem é muito limitada para as coisas de maior alçada. A mente humana jamais poderia suportar um Deus que se apresentasse num grau superior à sua capacidade de absorção e de compreensão. Por isto, Ele se apresenta na simplicidade de tudo que o rodeia, e manda que o homem observe.

A figura magistral de Saulo de Tarso, varão impávido, cheio de ousadia, soube fazer verdadeiramente do Evangelho motivo de união sincera entre os homens, soube também entregar este Evangelho à posteridade, na sua pureza ilibada dizendo aos gregos: “Este Deus que vos prego, nele vivemos, nele sentimos, nele estamos, entretanto, o procuramos tanto hoje”. Teria Saulo de Tarso falseado a verdade?

Precisamos fugir da beatitude contemplativa, da estática espiritual e penetrar em profundidade na dinâmica do espírito. Vamos em busca do mais alto, da verdade, do mais firme, daquilo que nos pode proporcionar maior visão do Deus perfeito. Vamos à ação, ao imperativo do momento. O trabalho é luta, desprendimento, e o importante é o que diremos no amanhã se ficarmos dormitando ao sol da esperança, supostamente embalados pelas “graças” da divindade.

A justiça do Pai toca o indivíduo, a coletividade, e aquele é envolto no cataclisma evolutivo da própria Terra, nos desajustes sociais, nas eclosões de sangue, do suor, do fogo da metralha. Tudo isto é realmente necessário para o acordar do espírito. Para que ele se purifique? Não. Nenhum espírito é impuro, não existe nada que tenha saído do Criador, desta majestade de amor, pureza e perfeição, que possa ser impuro.

Não é possível mais aceitar este deísmo, esta veneração do altar, este incenso que não cheira, mas existe na concepção de purificar o espírito, tirar mazelas. Esta denominação terá que ser extinta. Não é inovação, absolutamente. Apenas estamos colocando o certo no lugar certo em tempo certo.

Se nada que advém de Deus é impuro, então por que purificar o espírito? Que este se conscientize de que independe de Deus na sua evolução e não tem “graças a Deus”, mas é dada, como a todos, a mesma oportunidade em função das leis eternas e imutáveis.

Não se pode misturar dois corpos antagônicos, não se pode somar quantidades heterogêneas. Não é possível. E se não é possível nas leis fundamentais da matemática, como admitir a soma de duas verdades sendo uma certa, outra suposta e ainda querer um resultado satisfatório?

Evolução é aquisição de conhecimentos para que o espírito seja senhor de si e, embora não tenha alcançado e se alcandorado ao sentido de profunda contenção dos seus desvarios, mas pelo menos sentirá um pouco de paz ao alcançar o mínimo, e daí para frente lutará.

Cada vez que se sentir o desejo de consultar o “porquê” da evolução, deve-se ter em mente que Deus não tem nada com isto, absolutamente nada. Ninguém depende de Deus para evoluir no sentido de Deus-existente, Deus-ser, não interessa o que Ele seja, interessa sim, que suas leis eternas e imutáveis são equânimes, imparciais e iguais para todos, para tudo, e envoltas no sublime amor da compreensão que aguarda a criatura no calor da sua paternidade.

Quem pensa que está na dependência da “graça de Deus” para dar um pequeno passo na espiritualidade, está retrogradando milênios no tempo. É viver ainda na época do crê ou morre! É beber água em fonte estagnada, sem se aperceber. É preciso encarar a situação de frente, sem pejo, sem medo, sem que Deus continue sendo muleta.

Se dependemos de um mínimo de Deus para a evolução, para a auto-evolução, este Deus automaticamente e de maneira indiscutível, está sendo parcial porque deixa a mancheias oportunidades através de um cem número de quesitos que possibilitam a criatura avançar na senda da espiritualidade.

Assim, nada absolutamente, nem uma pessoa, nem uma pedra deixa de ter o seu papel no sentido da evolução de todos os planetas e de toda a criação, ninguém, absolutamente ninguém, está na “graça de Deus” ou na “desgraça do Pai”, porque todos são seus filhos. Ele não é o rei, não é majestade, não é o superior hierárquico que tem as suas preferências, e aqueles que o agradam, estão nas suas “graças”, e os que não o agradam, estão na sua desgraça. Acabemos com isto, cerremos o pano deste teatro o quanto antes. Que cada um procure sempre tomar a sua própria cruz nos ombros pelo caminho íngreme das lutas constantes na conquista da sua própria personalidade espiritual, impondo a si mesmo uma rígida disciplina moral em todos os sentidos, indo em busca da sua auto-redenção de encontro ao Pai de amor, não de misericórdia.

O Criador não tem misericórdia de ninguém, porque Deus é justiça antes de mais nada. É justiça ilibada, essência da própria justiça. Mas, se Jesus disse: “Misericórdia quero, não sacrifício…” Compreensão quero. Misericórdia é compreensão, nada mais! Sintamos o termo na sua pureza, no sentido lato, na expressão verdadeira. “Quero compreensão e não o absurdo de um sacrifício inútil”.

Tudo vai de encontro com uma realidade pulsante, palpável, sensível. Está aí o cenário do mundo. Existem centenas de milhões de filhos de Deus desgraçados porque alguns que o adoram, o amam, rezam, e são estes que vivem na “graça” de Deus! Até quando e de que maneira permanecerá esta mentira deslavada e destruidora? Quem poderá contradizer a verdade? Existirão duas verdades? Não. Existe Deus! Apenas Deus, o Criador, comprovadamente porque as suas obras estão aí. O próprio homem é obra do Pai. O bom obreiro é Deus. O homem é fruto da árvore chamada Deus e, como pelo fruto se conhece a árvore, nenhum homem é mau, nenhum homem é perverso, nenhum homem deixa de estar na “graça de Deus”, nas eternas “graças da oportunidade” da evolução.

Para sentir um Deus justiça, se faz necessária alguma luz interior. Para sentir e aceitar um Deus verdade, é preciso alguma coragem e uma hercúlea força de vontade de lutar pelo seu próprio soerguimento.

 

(recebido por via mediúnica)