34 – Esclarecimentos – I e II

Parte I

Através dos modernos meios de comunicação visual, vez por outra, somos levados a assistir a algumas das manifestações exteriores do ortodoxismo religioso, em ruas e praças públicas, onde se observa a semelhança do misticismo arcaico e do religiosismo desvirtuado. Tais demonstrações nos dão a medida exata do grau ainda bastante embrionário da condição evolutiva do homem atual.

As religiões que assim procedem foram moldadas, desde o seu início, na dualidade do prêmio e castigo, cujo objetivo visava, como ainda visa, manter o homem sob o guante do temor, do medo em função de castigos intermináveis pós-morte e outras ameaças, querendo-o obediente e compassivo, ou ainda infundindo-lhe esperanças vãs.

Tais aspectos que deixam transparecer a necessidade de ainda hoje, apesar do tão decantado avanço tecnológico, manter o homem submisso em função do desconhecido, e psicologicamente, por saber que este homem, pela sua própria condição ou estágio evolutivo, dificilmente terá cumprido à risca todos os mandamentos da sua igreja. Vive, pois, sob uma realidade íntima do não cumprimento dos preceitos religiosos, sentindo-se, portanto, um perene devedor. Partindo dessa condição procura, por todos os meios, “pagar ou resgatar” pelo menos parte desses débitos, desfilando em procissões, adorando imagens e símbolos diversos, frequentando cultos litúrgicos e chegando alguns, mais ignorantes, até à auto-flagelação. Tudo isso praticado de maneira a mais subserviente possível, como se fora antídoto para suprir as suas “faltas” ou pecados.

Ora, na própria doutrina reencarnacionista, supostamente dita evolucionista, vamos encontrar também procedimentos senão iguais, pelo menos parecidos.

O uso da terminologia diferente tal como: penas transitórias, umbral, vale das sombras e outros, não modifica o íntimo proceder, o qual ainda, muitas vezes, leva até a algumas exteriorizações similares.

Amedrontados pela ameaça da Inquisição Penalógica da absurda lei de “Causa e Efeito”, resquício do romanismo na doutrina, vive o profitente espírita os mesmos temores, as mesmas pressões. Assume posturas quase idênticas para sentir-se protegido, tanto do assédio de espíritos menos evoluídos, como de evitar o sofrimento além-túmulo, agravado pela imposição das provas e expiações.

No fundo, todos esses comportamentos, não importa a origem diversa, se fundem numa mesma argamassa. Daí a necessidade de, a cada dia, ouvir a voz sábia e serena do Mestre Nazareno na sua recomendação da “Busca da Verdade”, única condição para que o homem possa e venha a se libertar do seu grilhão mais pesado: a ignorância. É esse grilhão a causa maior que o aflige, tanto na sua existência carnal, como desencarnado.

Premido por exigências inatingíveis no estágio atual, entre elas a de ser virtuoso antes de ser evoluído, vive sobressaltado e agarra-se a qualquer esperança ou salvaguarda que lhe acene com a possibilidade de uma proteção, ainda que seja vaga e indefinida.

Cumpre, pois, esclarecer quanto à verdade: Deus é pai e não carrasco dos seus filhos os quais criou “simples e em estado de ignorância”. Sendo Deus a Inteligência Suprema, a Bondade e Justiça Infinita, não castiga, não pune a sua própria criatura de maneira até cruel, na expiação ou resgate de crimes cometidos no pretérito, dos quais a criatura nem lembrança tem, devido à abençoada amnésia reencarnatória e, de outras tantas ações penalógicas punitivas, ainda que praticadas sob o manto de “educativas”, que  fazem do reencarnacionismo mera imitação de outras tantas religiões ortodoxas e arcaicas, que primam pela submissão física e mental do homem.

Conforme já assinalamos, o Espiritismo reencarnacionista e, por excelência, o intercâmbio corpóreo-incorpóreo, não veio com essa finalidade. Não veio para ser apenas mais uma doutrina nos moldes idênticos às já existentes. Como enaltecê-la como Revelação? Revelação do quê? Se está apenas se propondo a “colocar remendos novos em roupa velha”? Já é tempo de sairmos da estagnação mental que talvez interesse a uma minoria com posições de comando doutrinário, menos, porém, daqueles que têm compromisso inalienável com a Doutrina de Evolução, preconizada pelo incomparável Mestre Nazareno, cuja assertiva categórica não admite contraposições: “Misericórdia (compreensão no sentido evolutivo) quero e não sacrifícios”.

Parte II

De acordo com o sentido evolutivo da Doutrina Espírita, a verdade para nós, eternos relativos, é consequentemente relativa, pois só nos é possível conhecê-la em segmentos que vamos buscando através do tempo e, por que não dizer, em função principalmente das possibilidades do intercâmbio incorpóreo-corpóreo em plano real e desvinculado das limitações de doutrinas, por ser unilateral.

A verdade, em seu intrínseco, não pode ser contida ou restrita por essas limitações ou outras quaisquer. Ela se impõe pela lógica da razão analítica. Não está também na dependência de “arautos”, quer encarnados ou desencarnados, e muito menos pela fé, pois fé é outra coisa. É um potencial do espírito em função da sua condição evolutiva.

O raciocínio não leva a nenhuma fé. O raciocínio leva à conclusão e conclusão não precisa fé, pois se é uma conclusão, está dentro do lógico, é um fato comprovado, está, portanto, dentro da razão. O raciocínio leva à conclusão, ao discernimento, à iluminação. Se eu, através do raciocínio, concluo, desnecessário se faz a fé, pois eu tenho algo que superou esta fé, que é a certeza advinda através do raciocínio. Por isto nos foi facultada pelo Mestre a “Busca da Verdade”, porque apenas crer é submeter-se àquilo que não entendemos e que não nos chega à razão, que não está definida no sentido matemático “a posteriori”, através dos fatos e, contra fatos não há argumentos.

Fé é um termo que tem sido usado inadequadamente em carência de outro. Deve-se substituir pela razão, pela certeza, pelo absolutismo dos fatos. Por que fé nos fatos comprovados? É a certeza, é a razão que nos fala. Diante de um fato comprovado, de que vale a fé?

A Doutrina Espírita não veio para resolver todos  os problemas do homem. Veio, isto sim, para dar-lhe conhecimentos, responsabilidade e a certeza da vida espiritual, a individualidade de cada espírito. O evangelho fala à consciência e ao entendimento e não à emoção.

É preciso que a “razão” e não a “beatitude”, é preciso que a “responsabilidade” e não a “esperança” morem no espírito de cada um. Há muita diferença entre a “esperança” e a “responsabilidade”, pois uma determina a utopia de aguardar e a outra o sentido de assumir e de fazer.

Não é porque uma idéia ou um ensinamento tenha milênios que não pode ser ab-rogada. Existem mentiras milenares. A própria Bíblia é um livro de concepções antagônicas. O “Alfa” e o “Omega” não são e jamais serão de conhecimento do homem, eterno relativo. O desconhecido de hoje, porém, será o fato normal do amanhã, pois “Tudo o que oculto está, será revelado”, disse Jesus.

Já é tempo de dar à Doutrina Espírita uma dimensão exata daquilo que deve ser realmente. O intercâmbio corpóreo- incorpóreo não veio para sancionar o místico, o mítico, o segregacionismo, o irracional, o ilógico. Kardec apenas iniciou uma obra, através de contatos com espíritos de diversas tendências e que traziam ainda as impressões de vida terrena pregressa. Se nem ao Mestre Jesus coube a última palavra. Evolução tem um significado e uma dimensão que o homem ainda não alcançou, porque tenta limitá-la com seus ditames e legislativos doutrinários.

A dinâmica doutrinária preconizada por Kardec não está sendo devidamente observada pelos seus defensores intransigentes. Não seguem o espírito racional do próprio codificador que aconselhava a análise, a busca, a pesquisa e o raciocínio. Acomodaram-se mental e espiritualmente ao “dogma” Kardec e passaram a criticar os demais profitentes de outras religiões por fanatismo e outros e, ainda jactam-se de possuir a “fé racional”.

 

Wilson Levy Braga da Silva

(excertos do Irmão Anthero e outros espíritos)