37 – Pena de morte

A adoção da pena de morte constitui um retrocesso em todos os sentidos. É a volta da lei mosaica do “Dente por Dente, Olho por Olho”, resultando mais em vingança ao invés da aplicação da justiça propriamente dita.

A criminalidade deve ser analisada dentro do contexto social existente, com seu enorme rol de desigualdades, iniquidades e perversidades.

A existência na sociedade de uma grande parcela constituída de pessoas egoístas, insensíveis, mercenárias, inescrupulosas, proporciona o clima e ambiente favoráveis à proliferação de crimes de toda espécie.

Por outro lado, a existência de um grande número de pessoas mergulhadas na mais profunda miséria, resulta num ambiente propício para o surgimento e eclosão dos sentimentos de revolta, de ódio, de inconformação, pela ausência absoluta de qualquer esperança por parte deste segmento marginalizado da nossa sociedade.

Considere-se que neste âmbito , o alcoolismo de muitos é, muitas vezes, uma tentativa desesperada de fuga da realidade cruel.

A bem da verdade, é bom que se diga que as causas são muitas e não se restringem tão somente à questão da miséria. Temos na esteira da história exemplos inegáveis de criaturas que nascidas na mais absoluta indigência, tornaram-se posteriormente exemplos de proceder digno e de extraordinária tenacidade na superação dos obstáculos, os mais difíceis, entre os quais o preconceito. Constituem, em verdade, espíritos com uma herança reencarnatória de avanço espiritual.

A criminalidade também ocorre no âmbito dos social e economicamente bem situados. Eis, portanto, a complexidade do assunto o qual não comporta soluções simples e milagrosas.

É de impossível classificação a gama de crimes praticados. Crimes passionais, latrocínios, crimes políticos, crimes por intolerância religiosa, por disputas e ódios raciais, por ditadores corruptos, por governantes negligentes e venais, pelos cartéis de drogas, por pistoleiros e mandantes, etc. Muitos, a salvo da ação da justiça pelas distorções legais, ficam a salvo também da ação policial por inúmeros fatores.

Vejam, pois, a complexidade do assunto, que não pode e não deve ser analisado com prevalência de condições emocionais.

Quando indagamos sobre a adoção da pena de morte, buscando ouvir a opinião de um grupo de cidadãos de bem, pessoas responsáveis, honestas, de vivência social correta, é muito comum essas pessoas declararem-se adeptas da pena de morte. Podemos, no entanto, constatar que esta opção visa infantilmente uma posição defensiva, na tentativa de conseguir um falso sentimento de segurança para si e para os “entes queridos”.

Julgam que o advento da pena de morte trará mais segurança pela eliminação física dos criminosos.

Pergunto: será isto verdade? Resultará esta lei numa maior proteção à sociedade?

Infelizmente sabemos com certeza que não, o que aliás, não constitui novidade e está comprovado por estatísticas em países onde existe a pena de morte. Nesses países a criminalidade continua a aumentar com crimes cada vez mais cruéis e repugnantes onde despontam requintes de perversidade e bestialismo.

É uma ingenuidade acreditarmos que a pena de morte fará o criminoso pensar duas vezes ou mais antes de cometer o crime ou que irá atemorizá-lo. É desconhecer o homem no seu estado ainda embrionário de um evoluendo pré-racional.

O crime é efeito. A causa ou as causas são muitas e têm suporte no primarismo evolutivo do homem com reflexos na sociedade.

Este primarismo é tanto do agente do crime, como daqueles que criam, geram e propiciam o ambiente de revolta para a exaltação criminosa. E isso não se corrige absolutamente com a pena de morte. Não nos iludamos. Sabemos que os modelos atuais das penitenciárias e presídios são verdadeiras escolas do crime.

A aplicação de penas temporais, tem apenas um sentido punitivo, jamais recuperando o criminoso pelo ambiente de miséria, de corrupção, de ausência absoluta de qualquer pedagogia recuperante nos presídios.

É lamentável a constatação da existência de uma facção da sociedade em que a constante é a manutenção de um “status” superior, priorizando até o supérfluo e, de outro lado, uma enorme parcela miserável de submissão aparente, em cujo íntimo fervilha a revolta e, por vezes, o ódio de origem.

A cultura é relegada a plano inferior e é privilégio de poucos.

 

Diz Anthero (espírito):

“Ao falarmos da cultura entramos em conexão incondicional com a evolução, visto que não pode existir esta, senão por meio daquela, o que vem ditar não ser a evolução senão a cultura. Enquanto a cultura for privilégio ou direito e não for concebida em seu legitimismo, ou seja, uma necessidade incontestável para a estruturação da sociedade como civilizada, livre, portanto, a pedagogia em que pese a excelência da metodologia aliada ao esforço, boa vontade e sacrifício dos seus executores, continuará unilateral no concerto social, deficitária em seu processo e ambígua em seus efeitos, deixando de cumprir o seu papel de alçada superior, ilhando a sociedade e não sendo ilhada por ela”.

No caso da aplicação da pena capital e posteriormente comprovada a existência de um erro policial ou judicial, qual a reparação possível?

Lembramos aos adeptos da pena de morte que este erro judicial pode-se dar ou ocorrer com um dos nossos “entes queridos”.

Vamos entrar em um raciocínio de ordem evolutiva. O homem ainda julga a razão pelo ato. O homem evoluído equaciona os “fatos pela razão” o que se constitui numa inversão analítica. A primeira (razão pelo ato) é dependente, a segunda (fatos pela razão) independe. A primeira circunscreve-se na exterioridade que a torna dependente do ato.

Não é julgar o homem (razão) pelo ato (crime) cometido, é preciso analisar o porquê do ato em função da condição (razão) do homem. Ele errou, cometeu o crime porque é um evoluendo que está nos primórdios, no embrião da evolução. Possui uma razão relativa, razão-motivo em função da sua ignorância. Justifica o motivo determinante do crime por essa carência da razão consciencial, porque ainda não tem condições para uma análise racional. Conclua-se, ele ainda é o “efeito” de uma “causa” denominada ignorância.

Somente a evolução do homem trará condições para a existência de uma justiça social efetiva que tenha condições para harmonizar o conglomerado heterogêneo. Sabemos não existir soluções mágicas, principalmente quando tomadas em clima emocional acerbado.

Para a redução da violência é preciso a construção de alicerces sólidos, só possível onde as desigualdades sociais não sejam tão grandes. Isto não é fácil, demandará muito esforço, desprendimento, sendo da responsabilidade social, mas tudo demandará muito tempo.

Hoje a violência está num crescendo assustador, mas a solução não é a pena de morte, que é de natureza destrutiva. Destrói mas não constrói.

A própria história da humanidade eivada de crimes bárbaros através dos séculos e dos milênios constitui prova irretorquível da inutilidade de se contrapor a violência com a violência. Não existem soluções fáceis para problemas difíceis.

A nossa visão de justiça é ainda precária, não tem alcance evolutivo. Aplicar justiça não é adotar-se o barbarismo, representado pela pena de morte.

Não nos iludamos, pois, com falsas panacéias, vazias de conteúdo e estéreis de resultados.

Há que se considerar não ser a justiça dos homens infalível. Erros judiciais existem e não são poucos. Façam uma estatística da população carcerária e terão a comprovação real: a esmagadora maioria dos condenados vem das camadas miseráveis da população, o que nos revela uma ação parcial da aplicação da justiça. Já nos ensinou Anthero (espírito) que a “força do direito quando aplicada pelo direito da força, inexiste no lato do termo, porque é o próprio direito da força aplicado através das leis”.

O direito do homem que subsiste pelo “direito da força” não pode acolher o direito reconhecido e respeitado em função do binômio: “consciência + razão evolutiva”.

A morte, devido a um erro judicial de um só inocente, já condenará o absurdo dessa pena de impossível reparação.

Lembre-se do advento do Mestre Jesus, que foi condenado à morte e executado em função de falsas acusações, sendo vítima do conluio criminoso dos poderosos da época com os sacerdotes corruptos.

Temos dentro do Evangelho, a magistral lição que o Mestre dá a todos nós, no episódio da mulher adúltera: “Aquele que estiver sem pecado (erro) que atire a primeira pedra”.

Depois que a multidão se afasta, Jesus dirige-se à mulher e indaga: “Mulher, onde estão os teus acusadores?”

– Foram-se Mestre, responde a mulher. E Jesus, numa frase admirável, disse:

– Eu também não te condeno. Vai e não peques mais!

 

A lei mosaica que mandava apedrejar até à morte a mulher adúltera, não tinha alcance racional, analítico, imparcial no exame e julgamento do delito cometido.

Aquela mulher poderia ter uma personalidade psíquica doentia, portadora de uma exacerbação histérico-sexual, ou um marido ausente, enfim, não previa a lei a análise do porquê do adultério, das causas, circunstâncias e tudo mais, do porquê do ato.

Vamos continuar ainda dentro das lições do Evangelho.

Alguns poderão contestar nosso argumento em função da frase de Jesus no magistral Sermão da Montanha, quando disse: “Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados” (Mateus, capítulo 5, versículo 6).

O significado desse dizer de Jesus não é o que tem sido pregado em decorrência de uma interpretação superficial. O dizer do Mestre tem outra conotação, muito diferente das apregoadas pelos pseudo-arautos do Evangelho.

O verdadeiro sentido da frase de Jesus é clamar justiça para os injustiçados, e não clamar punição para os responsáveis pelas injustiças cometidas. Não é a “fome”, a “sede” e o desejo de justiça buscando castigo ou vingança, mas é a manifestação de que um dia as leis sociais, a humanidade, darão as “bem aventuranças” (serão saciados) para os que sofreram as injustiças.

Outros intérpretes e pregadores superficiais do Evangelho, vão além ainda, interpretando o dizer de Jesus como a concretização da aplicação de sanções por uma pretensa Justiça Divina, aos causadores das injustiças, incorrendo em erro ainda maior.

Vamos repetir: o Evangelho foi trazido à Terra para ser vivido aqui. O dizer do Mestre é claro, não deixa dúvidas: “… os que têm fome e sede de justiça…” e complementamos: de justiça dos homens e não de Deus!

 

Anthero (espírito) nos dá uma visão do futuro dizendo:

“Nos planetas mais evoluídos, o homem é uma unidade autolegislada, onde prevalece a hierarquia ordenativa operacional, orientadora, educativa e não a hierarquia impositiva de superioridade ou de qualquer condição.

Neste clima o homem autolegislado vive os deveres, reconhece os direitos alheios, aceita e compreende o benéfico da orientação educativa, no legítimo senso de igualdade e fraternidade em termos amplos. Isto existe em planetas ainda no sistema reencarnatório, tendo plenamente consolidada esta condição”

Para finalizar, a pena de morte já existe em nosso meio.

De há muito foi decretada por uma sociedade egoísta, hipócrita e ignorante. Basta ter “olhos de ver e ouvidos de ouvir” e tomarão conhecimento das centenas de milhares de crianças condenadas anualmente à morte, sendo executadas através da fome, da desnutrição, da ausência total dos comezinhos cuidados médicos. Esta pena de morte atinge também grande parte da população adulta, dos trabalhadores que convivem com a mais absoluta miséria, sobrevivendo, às vezes, nas imensas favelas, verdadeira vergonha para uma sociedade que se diz civilizada.

A evolução da humanidade far-se-á através da cultura extensiva a todos como direito e não como privilégio de alguns poucos. Pelo autoconhecimento, pelo autorespeito, pela razão, pela consciência, pela sensibilidade, aí sim: “Os mansos herdarão a Terra”.

 

Wilson Levy Braga da Silva

(excertos do Irmão Anthero e outros espíritos)