38 – Será a Verdade?

A “inveja inconfessa” é aquela, não relacionada a terceiros, mas àquilo que o homem jamais diria de si mesmo (Ex.: Eu sou invejoso). Trata-se de um estado de consciência e não de “razão”, visto que age em função do objetivo relativo. Exemplo: Se Paulo tem dois, eu devo ter três. Mas por que devo ter três, se dois me são suficientes tanto quanto a ele, sendo que ainda um só me bastaria?

Este proceder tem sido exteriormente condenado pelas religiões, como sendo pecado passível de punição, denominando-o de inveja, vaidade, egoísmo, etc..

O Evangelho nos aponta como inconveniente este modo de agir do homem, sem contudo condená-lo, pois o Mestre, profundo conhecedor do estado evolutivo do mesmo, sabia que outro sentimento não o demoveria à labuta, senão o interesse, do qual tem resultado o progresso, que é a base da evolução, isto até o presente (“Zaqueu, hoje convém que eu vá à tua casa” – Jesus).

Se fugirmos à realidade, encontraremos a contradição que a nada leva, além de confundir ainda mais, ao invés de esclarecer.

Erro crasso é pretender desassociar da evolução o progresso da humanidade, pois se este não se constituísse como tal, não encontraríamos o motivo da sua existência. Tem sido esta, e somente esta, a razão do atraso em que encontra o homem em relação à fraternidade e também de lutas fratricidas, visando à consolidação da mesma, embora com características ideológicas. O mal, o grande mal, é querer difundir o Evangelho “letra”, pretendendo que seja “espírito”. É querer esclarecer aquilo que não entendem, tentando acomodá-lo às conveniências de partes e de circunstâncias, em detrimento da verdade.

Sabemos através da história, que inúmeros reis e imperadores não passaram de subservientes da teocracia imperante, porque convinha a ambos que a massa ignara permanecesse sob o guante do pavor face à desobediência, daí terem criado, fundamentados na “letra” do Evangelho, o inferno e, pela obediência cega e inconsciente, o prêmio do céu.

Dentro desse consenso, conceba-se porque havia interesses de partes a serem defendidos, e não há meio mais eficaz de submeter uma mente que incutir-lhe o terror, usando da sensibilidade e conservando a criatura em ignorância.

Na época presente, todavia, não encontramos motivo e nem razão para que tal mentalidade permaneça como padrão educativo, desde que pretendamos fugir à “letra” do Evangelho, penetrando-lhe o “espírito”.

Alguns poderão arguir que, se a verdade for exposta, o homem se demandará no crime e na depravação de toda sorte, que o Evangelho é um freio para que tal não aconteça e que seu conhecimento conduz o homem ao bom caminho. Isto equivale a uma confissão de que permanece no condicionamento, o que ainda, mesmo que se proponha como verdade, não o é.

Prova inconteste de que mesmo os “evangelizadores”, os “condutores”, ou permanecem cegos, ou se enxergam, transferem a responsabilidade da condução do seu semelhante, pela senda da transformação em criaturas dignas e humanas, a esse mesmo condicionamento.

Se nos ativermos à balela mística que pretende colocar remendos novos em roupa velha e tinta nova sobre tinta velha, tudo é tolerável, mas falando de reencarnação e evolução, dentro de tais perímetros só o comprovado é permitido, não tem guarida essa acomodação. No seio reencarnacionista é imperiosa e urge uma completa transformação, sob pena de permanecer um círculo vicioso, a reboque das religiões.

Dentro do espírito do Evangelho cumpre ao evolucionista entender que o desiderato é a transformação radical do pensamento, levando a criatura a novas concepções, como seja, o profundo senso de responsabilidade junto ao seu semelhante, não o sentindo como esmoler, mas como irmão, não descendo até ele, mas trazendo-o à sua altura em todos os sentidos e proporcionando-lhe condições de vida, cultura e moralização em moldes sócio-vivenciais dentro da dignidade que deve viver o homem.

Cumpre substituir o cerúleo pelo terráqueo, aqui e agora. Cumpre desarraigar da mente humana a idéia de competição, conforme nos referimos de início, em que classificamos como inveja inconfessa, e substituí-la pela de cooperação coletiva em função do todo.

Se admitirmos não se constituir este proceder em pecado ou crime, até o presente, todavia não o sancionamos como o certo, pois que o espírito objetivo do Evangelho não é outro senão “Um só rebanho e um só pastor”, o que em explícito verbo não quer dizer outra coisa, além de cooperativismo, onde o competitivo não encontra termos de ajuste, e o desnível dentro do mesmo âmbito é simplesmente incompatível.

Quando dizemos desnível, não o fazemos com intenção ideológica, pois que fatores heterogêneos de per si não admitem adição, mas independente do fator tempo, nos é facultado afirmar, sem dúvida, que outro não se constitui o motivo e a meta a serem alcançados pelo reencarnacionismo evolucionário. Aqui começa a agigantar-se aos olhos dos condutores a dimensão da tarefa a ser executada.

Educar a mente humana num esclarecimento contínuo, de que só o cooperativismo, e só ele, é o fator da fraternidade, sendo este o único e exclusivo objetivo dos ensinamentos do maior evolucionista que pisou sobre a Terra, e que a fraternidade não se efetiva sem estruturamento de base (não se constrói sobre areia, mas sim sobre a rocha). A base da fraternidade nada mais é do que a profunda transformação da sociedade, de competitiva superativa em cooperativa niveladora.

Dentre os espíritas, uma insignificante minoria começa a ter vislumbre desta verdade e, com ingentes sacrifícios, tenta levar avante este facho de luz, enquanto a grande maioria permanece estacionária no arremedo do místico religioso, procurando na caricatura do amor fraterno, chamada “caridade”, o meio de tornar-se um bem visto aos olhos de Deus e conseguir um lugarzinho ao sol, no espaço.

Esses são os que lêem e relêem o Evangelho, sem atinarem com a alma dos ensinamentos, pois que neles mesmos é que vamos encontrar a situação de tais criaturas (veja “Juízo Final”: “Afastai-vos de mim porque eu não vos conheço” – Jesus), e talvez em pensamento o completasse: “Egoístas, hipócritas, que pretendestes usar o vosso semelhante como mero instrumento de vossa salvação (evolução) praticando atos que somente vossas mãos agiram, sem contudo viverem em amor, porque a vossa intenção estava voltada para a recompensa do dando é que recebemos!”. Destes, porém, o pão do corpo, mas relegando o espírito à miséria da ignorância, deixando-o faminto de dignidade.

Sabemos que em todo processo cooperativista, independente dos interesses envolvidos, o mesmo processo tem como estrutura a união, que no adágio popular gera a força. Mas o que se observa no campo do Espiritismo, ao contrário desta união, é a desunião, resultante da mentalidade comum que é a competição, ainda que sem consciência de causa.

Proliferam os Centros Espíritas, cada qual agindo segundo o critério dos seus componentes, nos quais, salvo exceções, podemos sentir as mais disparatadas práticas, até mesmo do que chamam de kardecismo ou “mesa branca”, o que vem se constituindo em um vício, ao invés de um proceder educativo, evolutivo.

Os “presidentes” que se desvelam na “evangelização relâmpago” de “obsessores”, pretendendo que se transformem, em poucos minutos, de algozes soezes em, até, “protetores” do obsedado, além de uma série inumerável de outras incoerências, com tintas de “doutrina” ou “caridade” e, nesse alicerce inseguro, pretende-se a evolução e conscientização do valor da tomada de contato, concreta e ordenada do mundo insomático ao somático.

No terreno do trabalho social prevalece esta mesma situação, pois este trabalho circunscreve-se a grupos isolados, não sendo permitida a ingerência ou mesmo a colaboração de outras entidades, o que deixa transparecer, sem disfarce, o mesmo sentimento que os anima nas atividades da vida social, ou seja, a competição para a superação, ou como já dissemos antes, a “inveja inconfessa” e, mesmo dentro de tais grupos, verifica-se o personalismo, primado pelos mesmos sentimentos. (A justiça começa em casa).

O que nos estarrece é que do “próprio espaço” advenham mensagens concitando à manutenção deste estado de coisas. Haja vista quando diz da “moeda corrente”, independente de sua denominação, pois quem mais trabalha, mais recebe, o que não ultrapassa ao critério terreno da competição, em contradição inaceitável ao básico conglomerante fraternalista, que se fundamenta no cooperativismo fraterno. Neste não deve prevalecer outro sentimento, outra vivência que não seja o desprendimento, o desinteresse, buscando tão só e unicamente o aprimoramento pelo labor educativo, como componente de um todo (rebanho), visando colocar-se sob a égide de um só pastor. “Amai-vos uns aos outros”. Portanto onde está a verdade? Será no “ter” ou no “ser”?

“Não ajunteis tesouros na Terra”. Este dizer, em seu espírito, em sua significação, quer se referir não ao tesouro em si, mas ao sentimento que o mesmo desperta, como seja, a própria soberba, o egoísmo, permitindo aos menos capazes o afloramento da humilhação, quando não da inveja e mesmo do ódio. Fora da carne, o espírito é suscetível de sentimentos iguais, pois é o mesmo homem, em processo de evolução, isto é, tão humano na Terra como no espaço.

Não nos demove acerba crítica, mas sem que se diga a verdade, não se pode acordar a consciência. Falamos aqui aos homens honestos que, sob nenhuma hipótese, pactuam com o convencionalismo, mas portam a boa fé para que eles analisem o Evangelho no seu aspecto “único”, que é a busca da fraternidade através da evolução e, confrontando com a concepção vigente, concluam.

O que deve, e com urgência, desaparecer do âmbito espírita é o sentimento isolacionista, que enodoa a pureza da doutrina e que contradiz, na prática, o que se prega dentro dos centros espíritas, como seja, a humildade.

Ainda que existam milhares de centros espíritas numa cidade, mas que toda obra de caráter social educativa (chega de esmolas!) seja “obra de espíritas”, não de um “presidente” e seus colaboradores, e de que se envaidecem.

Se a união faz a força, já é tempo daqueles que se chamam de “irmãos” colocarem de lado a ignorância dos verdadeiros princípios evangélicos, e no gesto que caracteriza o conhecedor da verdade, darem-se as mãos, em simplicidade de alma e, juntos, encetarem o labor construtivo da dignificação do homem.

É tempo já de recordarem que, relativamente para cada “um obsessor”, existem na Terra milhares de crianças necessitadas que, pelo descuido e descaso dos “conhecedores da verdade”, se transformarão em outros tantos “obsessores” no futuro.

Já é tempo de se conscientizarem de que devem cerrar fileiras em torno do ideal comum, do alevantamento cultural e moral da humanidade encarnada, para que não venham se constituir em candidatos aos cárceres e aos prostíbulos. E isto não se consegue com leituras das obras fundamentais somente, ou deliciosas mensagens vazadas no poético evangélico, mas em não ter orgulho e nem vergonha de achegar-se aos irmãos de outros centros espíritas com a coragem que um verdadeiro discípulo do Mestre possui, e arregaçando as mangas, atirar-se ao trabalho em conjunto, na realização de idéias que se constituam o desafio àquele que está a serviço de Jesus.

A dignificação da pessoa humana não se faz com evangelização esquematizada dentro dos centros espíritas ou venda de livros doutrinários, muitas vezes até a analfabetos.

A educação da criança não se faz com essa enxurrada de sandices à guisa de literatura infantil, desnorteante e confusa, salvo exceções.

Dar o corpo em “sacrifício agradável a Deus” tem um sentido mais amplo do que se supõe, pois trata-se de aproveitar nas reencarnações os corpos em trabalho útil ao seu semelhante e, através deste trabalho ir usufruindo como lições práticas de evolução, constitutiva e consolidante, desde que procure viver o ato em amor.

Podemos como exemplo, dizer que não se deve plantar cereais, mas sim flores, o que desassocia do retributivo econômico, para trasladarmo-nos aos do sentimento de reflexo imediato. Feliz daquele que já vive o que pratica de bem ao seu próximo, porque também já sente o perfume das flores que planta, sem viver na ilusória esperança dos jardins dos céus.

No plano espiritual não se faz outra coisa senão trabalhar com amor pelo nosso irmão e, se na Terra essa mesma tarefa não consegue ser executada, como pretendê-la posteriormente? As coisas começam pelo começo.

Como pretendemos a unificação do que existe se, todavia, não nos propusermos a uma real aproximação física, mental e espiritual, ao invés da continuidade dessa evangelização modeladora, convencional, que temos por natimorta?

Quando dizemos que evolução não se consegue somente pela leitura, tanto do Evangelho quanto das “obras fundamentais”, não estamos desaconselhando que o façam, mas queremos acrescentar a necessidade de um estudo profundo, pois que tanto o Evangelho como estas obras, inteligentemente dosadas na maneira de dizer seus conceitos, evitando choques com o pensamento prepoderante na época, trazem no seu bojo um propósito evolucionista em espírito, que carece de alicerçados conhecimentos, inclusive da ciência, além de um raciocínio livre, sempre em busca da verdade. Até o presente, a leitura e mesmo o estudo, têm se restringido ao que está escrito, à “letra”, portanto.

A própria literatura doutrinária, salvo exceções, difunde-se sobre o mesmo princípio, sem penetrar o “espírito” da palavra, muito embora modificando os termos, eivando-se de fantasias.

A imaginação doutrinária criou as “zonas umbralinas e purgatoriais”, afirmando que o espírito, após deixar a carne, passa por um processo de regeneração, ressarcindo débitos e purificando-se.

Se isso fosse verdade, quando retornasse ao somático, seria um espírito em melhores condições evolutivas, porque já teria se ressarcido, pelo menos de parte de suas “impurezas”.

Vejamos a contradição: o “Livro dos Espíritos” nos diz (resposta à pergunta 218): “… O ponto de partida do reencarnado é exatamente aquele em que findou a última existência, e que recomeçará nesta”.

Ora, se um espírito passa vários anos no umbral ressarcindo e posteriormente evoluindo, não nos parece que retorne à Terra no mesmo estado em que a deixou, porque já não está no mesmo ponto de finalização, mas sim mais avançado. Isto vem consolidar o nosso dizer que o espírito só evolui no sentido exato do termo, quando na carne, muito embora, quando no espaço, possa instruir-se com visos a nova reencarnação exercitativa.

Estes e outros tópicos doutrinários é que devem ser trazidos à tona sem receios, para que a luz se faça. Devem constituir a base de estudos, sem aceitação “a priori” somente porque foi dito ou está escrito.

 

Irmão Anthero

(recebido por via mediúnica)