53 – O Reino de Deus

Já anunciava O Mestre Nazareno: “Nem só de pão vive o homem”, mas só dele vive o animal irracional. Esta expressão Crística, no arredor de utopia nos arredores de uma nova era, do renascimento ou do nascimento da era do amor, de pós Cristo tem dado margem a interpretações dúbias, à bifurcação de uma inconsonância inacreditável.

O homem estriba-se nesta expressão para cair no lazer indevido, na preguiça. “Nem só de pão vive o homem”, vive também do “dolce far niente”. Muitos usam esta expressão para fugir à responsabilidade do trabalho honroso, sacrificante, frutífero, útil ao seu semelhante. Outros atiram-se às diversões emocionantes, em ter fortes emoções. Outros buscam somente o calor das praias, das divagações inúteis e, todo esse acervo de fuga, à guisa de complementação evangélica: “Nem só de pão vive o homem”. Por vezes,é de se estarrecer observarmos a cegueira e a surdez de muitos que interpretam essa passagem como se fora uma brecha para que eles, depois de cumprirem seus deveres, seus trabalhos, busquem o lenitivo nas coisas materiais, umas inofensivas, outras perniciosas e até desmoralizantes.

A interpretação da irrealidade desta enunciação magnífica traz no seu áureo bojo, por assim dizer, e com acerto, as estacas fundamentais da evolução do homem quando encarnado, para que o espírito como tal possa desmembrar-se do charco das coisas materiais que o iludem, fascinam, dragam, devoram, destroem.

É de se pasmar, sentir e ver pessoas que se dizem espiritualistas e até reencarnacionistas, apregoadoras do reencarnacionismo consistente, que não encontraram ainda na Terra este rasgo de luz que é complementado pela expressão, ainda Crística, da busca do Reino dos Céus, que tudo mais será acréscimo. Analisando de maneira mais ou menos rápida, sem penetrar profundamente no âmago da questão, estes dois elementos fundamentais da doutrina do Mestre Nazareno, buscar o Reino de Deus, não quer dizer que busquemos um lugar, que lutemos pela conquista de um lugar, de uma determinada área após sucumbir o corpo, mas que busquemos sim, dia a dia, introduzir dentro de nós, um turno de amor, para que Deus, na sua onipotência, possa reinar. Buscar o Reino de Deus é construí-lo dentro de nós. Para isso é preciso não haver esse equívoco de fazer da essência o complemento, e do complemento, a essência. Se nem só de pão vive o homem, o pão, as coisas materiais, a vida do encarnado, não constituem a essência da vida, não é o homem espírito, é o homem animal.

O que estarrece é a ignorância, sobretudo a falta de coragem, porque para seguir Jesus, acima de todos os conhecimentos é preciso ter coragem, com todas as letras maiúsculas, e com tintas rubras. Então o homem o que faz? Quer buscar um reino de Deus nas horas vagas pré-determinadas, como se precisasse de hora certa, especial, para ir em um lugar, um templo uma Casa de Caridade. Lá, na hora certa, marcada, determinada, no formalismo da regimentação, busca o Reino de Deus, e leva a maior parte do tempo a ganhar o pão, quando este não passa de um complemento da vida do homem espírito e, infelizmente, o homem faz dele a essência da existência, porque o Pai não criou o homem para ser um animal que respira o oxigênio comum das plantas e dos vegetais irracionais, não criou o homem para a vivência de 60, 70, 80 anos na face da Terra. O Pai “criou o espírito” e deu-lhe o corpo como instrumento, como complementação, como possibilidade de instruir-se, de elevar-se. O espírito toma o corpo, determina-o como sendo eu homem e faz do pão complemento da vida, a essência da própria vida. O Reino do Céu fica para trás. Nunca pensou se, não vivendo só de pão, de que mais viveria? Da busca permanente do Reino do Céu, da construção laboriosa, sacrificial, sobretudo idealista,desse Reino de Deus dentro de si, ainda na Terra, através do exercício critico fundamentado na coragem pessoal de dizer: “Eu quero ser cristão, serei vencedor sobre todos os meus defeitos, me libertarei dessa ignorância, passarei a viver em lugar de homem animal, que vai em busca do pão, como as raposas e as aves do Céu, o homem espírito, não mais estarei preso às coisas secundárias, fiz uma inversão de valores inconcebível: trago ao primeiro plano, como essência, as coisas do espírito”.

Pergunta-se: Mas como construir o Reino dos Céus se não for ao templo, se não procurar lá a caridade, ser bom com todos, leal, digno e espontaneamente fazer tudo que seja possível?

Onde está o limite desse templo? Onde coloca-se o limite desse templo? Ele começa aqui, mas não termina em lugar nenhum. Escorrega-se, dilata-se através do trabalho, no contato com a meretriz, com o ladrão, com o superior com o subalterno, com a esposa, com o filho, com aqueles que o amam, com aqueles que o odeiam. A busca do Reino do Céu é uma perseguição permanente, com as próprias forças invisíveis de ordem espiritual e moral. O homem, limitado no tempo e espaço, não conhece, de forma nenhuma, cerca muro, delimitações de qualquer espécie, não está no monte Corazim, não está em Jerusalém, está no espírito e verdade. Aí é que está a verdade. O homem tem que ser faminto do pão espiritual, porque Jesus silenciou, mas é preciso que entendamos o seu silêncio, este “estacato”, na sublime melodia da redenção humana.

Nem só de pão vive o homem, animal, mas do pão do espírito vive o homem, espírito.

É preciso compreender com profundidade. Não existe outro caminho a não ser este indicado por Jesus. Façamos do Reino dos Céus, através da semeadura do pão-espírito, a essência da vida, o motivo da vida.  O que não pode continuar, de maneira nenhuma, na sublimação heróica dos cristãos do século XXI, que estão fadados ao sacrifício até do sangue e, não vai demorar muito,é a persistência no erro crasso, inaceitável, de fazer da existência terrena a essência da vida em si, quando ele, cristão, tem profundos conhecimentos dessas verdades enunciadas por seu Mestre e culminadas com o sangue heróico do Idealista-Mor que sobrepisou esta terra. Como cristão, sabe que ele, o eu, a alma, o espírito, o homem-essência, não será nunca confinado à existência terrena. Espera-o, após o esforço de auto liberação da mente interior, o campo livre de uma eternidade de paz.

A dificuldade está em compreender perfeitamente que cada reencarnação é um tijolo a mais que se coloca nesse Reino imenso a ser construído dentro de nós.

A máquina do tempo é inexorável, insensível. As reencarnações se sucedem e o espírito mantém-se preguiçoso, procura por todos os meios uma mão amiga que possa alçá-lo, e jamais encontrará. Absolutamente! A lei é um imperativo. Progresso é construção de cada um, é luta e conquista de cada espírito. Ninguém deve favor a ninguém pelos seus progressos espirituais, nem a Deus. Isto para os que estão acostumados a esperar em Deus misericórdia através da caridade que praticam, num jardim celeste e o que mais seja, nos núcleos de trabalho espiritual, onde o perfume transcende as mais variadas flores.

Cuidado com a ilusão. Falam da charrua, mas até o presente, bem poucos têm posto a mão nela, e trabalhado a terra com sua própria mão, e sua própria semeadura. Não espere nada, a não ser do seu próprio suor, do próprio cansaço, da luta, porque “a cada um será dado segundo o seu merecimento”, e não favores que espere da esmola. Esta e presentinhos de agrado não existem no céu, mas tudo é conquista de cada um, com o próprio esforço na busca da verdade.

Esse é um pseudo-espiritualismo de arranca e espera, de faz-de-conta que faz, e aguarda o resultado imediato. Infeliz daquele que não sabe colocar os degraus da própria escada. É lei, lei dura e inflexível, mas compensadora e rica nos seus resultados. Mais valeria perder um reino, do que perder o Reino do Céu.

“Ninguém vai ao Pai senão por mim, ninguém vem a mim senão por amor ao próximo”. Ninguém consegue encontrar o Reino de Deus, se não colocar um tijolo diário nesse edifício sublime da paz interior. Cada ato de bondade, não importa o lugar, fora do templo é até melhor, constitui sempre mais uma pedra no castelo, onde o trono do Pai estará colocado e, um dia, as “almenaras” da paz e do entendimento serão acesas para sempre em mais uma pedra no castelo, onde o trono do Pai estará colocado e, um dia, as “almenaras” da az e do entendimento serão acesas para sempre em nós.

A poesia do Céu é uma espera, é bela é sobretudo bela, mas tem que ser escrita com suor, sangue, lágrimas, sacrifício, desprendimento e voluntariedade, estoicismo, abnegação, coragem, pura imitação do Cristo, se necessário, até a cruz. E por que não até a cruz, se for necessário? Sim, e então por que diariamente, não se crucificar na gostosa cruz do amor ao próximo? Não se deixar coroar de espinho, da imensa coroa da humanidade?Por que não empunhar a cana do vilipêndio, não fazer sorrir uma criança, não enviar ao menos um pensamento de amor, ser comedido no alimentar, equilibrando sua saúde, comedido em tudo, equilibrado no falar, no agir? O verdadeiro Cristão é um espelho onde se refletem todos os demais irmãos. Não basta dizer-se Cristão, não basta reservar algumas horas do dia para o chamado culto, não basta acender uma tocha, um archote, caminhar metros em busca do Reino de Deus e retornar.

A busca do Reino de Deus é permanente, incessante. Por que não fazer desta existência, que nada mais é do que um complemento da verdadeira vida, bem aproveitada, de minuto a minuto, de segundo a segundo, para que um dia, ao acordar sem corpo no mundo espiritual, possa olhar para traz e dizer: Bendita carne que me abrigou! Bendito Pai que me deu consciência da liberdade em que hoje vivo!

 

(recebido por via mediúnica)