55 – Realidade III

O Evangelho para ser melhor compreendido, deve ser analisado sob dois aspectos  que, convencionalmente, podemos dizer: esotérico[1] e exotérico[2], entendendo-se, todavia, que esotérico é a profundidade filosófica envolvida pelo exotérico.

Em linguagem mais simples, digamos que as parábolas são o envoltório de verdades que devem ser buscadas e entendidas pela análise, dentro dos padrões da razão humana.

O Evangelho, entretanto não constitui uma seita ou uma ciência submissa à denominação de esoterismo. Este pensamento segue a linha pedagógica, visto que transferimos o saber, a ciência, a tecnologia, jamais, porém, a compreensão ou a capacidade de dedução, por mais explícitos, concisos e precisos que sejamos na exposição.

Como é próprio do homem motivar-se por um incentivo que lhe  seja de interesse, não é raro que, a um aceno deste porte, atire-se à prática para a qual usa todos os meios ao seu alcance em busca do objetivo sem avaliação, consciência do operativo (meios).

Por este motivo, todo idealismo precisa de um líder, que de permeio ao exotérico, introduza o esotérico colimado. Via de regra, o exotérico propõe um fim, através de meios compatíveis com a condição dos liderados, mas guarda o real esotérico e os meios exatos e coerentes, para que o tempo possa dar condições de exteriorização.

O Mestre Nazareno fala de galardão, céu, julgamento, recompensa, porque não havia e ainda não há, senão de forma natural e embrionária no presente, condições de expor o esotérico, tanto meios como fins. Isto o motivou  dizer aos seus seguidores que muito mais teria que ser dito, porém, que não compreenderiam no momento, mas que tudo quanto estivesse oculto, pelo óbvio e racional relacionado com a evolução do homem, seria conhecido.

Se o líder souber escolher prosélitos certos e neles insuflar também de maneira certa o cômputo do ideal, ainda que venha a ser modificado, desaparece o homem, mas as idéias disseminadas permanecem. Nisto o Nazareno foi mestre e artífice, o que ficou comprovado no transcurso da história. Cumpre ao líder, todavia , responsabilidade de consciência, em evitar o desnecessário e inútil, como concurso à concretização dos ideais.

Contudo, é irreversível acender o ânimo, a coragem e até o estoicismo em defesa do colimado, o que o Mestre o fez de forma magistral:

“Por amor de mim, doutrina ideal, sereis encarcerados, sereis perseguidos, mas o que perder sua vida por amor de mim, doutrina ideal, tê-la-á  ganho no céu”, incentivo básico. “Não temais os que matam o corpo porque nada mais podem fazer”. “Sede mansos como as pombas, mas prudentes como as serpentes”. “Não resistais ao mal, mas antes, respondei com o bem.” Este é o quadro disciplinar válido para a continuidade.

Ao reverso, condena o fanatismo inútil, demonstrativo impressionista dos holocaustos: “Misericórdia quero, (compreensão, fraternidade, ação) e não sacrifício revelando egoísmo individualista.

Todo idealismo para que possa ser considerado como tal, deve fundamentar-se em fatores sérios, ser exposto de forma possível de ser levado à concretização e destinado aos que dele carecem. Deve dizer ainda, de ação conjunta sob férrea disciplina da qual sobrevém a reciprocidade interprofitente.

Como vemos, o idealismo da base à estrutura, não admite individualismo ou displicência, o que seria refletir o egoísmo levando à indisciplina e conseqüente esfacelamento.

A disciplina enfoca, pelo óbvio, a ordem processual do conjunto, que é o reflexo das unidades. Se a disciplina for interpretada segundo o entendimento individual ou grupal, o que também leva ao cisma ou desvinculação da base, desnatura o senso idealista para transformar-se em instrumento de interesses isolados e conflitantes.

Infelizmente este é o quadro desolador que nos apresenta o IDEAL CRISTÃO do tempo presente, ou seja, do esfacelamento, dos cismas, do interesse de grupos. Por que?

Para responder a esta pergunta de forma esclarecedora, seria necessária a abarcância ao pretérito histórico em seus múltiplos eventos conflitantes, alicerçados desde então em interesses de grupos, classes sociais, povos e outros fatores de menos relevância.

Todavia, podemos sintetizar num só e único determinante, que é o seu histórico até o presente, que é a não compreensão das verdades contidas na exposição do ideal pela massa carente, em primeiro plano, “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”, e em segundo, porque a “força do direito” sempre foi mantida pelo direito da força, e usada pelos que a detêm.

Disto inferimos que o esoterismo foi e é entendido pela minoria que goza do direito da força, e a usa porque sabe que o esotérico contido na exposição, se consolidado, levará fatalmente a sociedade ao termo igualitário literal pela consubstanciação da justiça de que a massa é carente.

Como a história nos informa, o ideal cristão que foi e é entendido em seu esotérico pelos que no tempo o vieram liderando, entraram e entram em conjunção de interesses ao que detém o direito da força.

O povo judeu herdou a psicologia sugestiva cujo valor prático conhece profundamente, O Mestre o comprovou, e foi secundado pelos seus continuadores dos quais destaca-se e, com louvor, Saulo de Tarso.

Foi e ainda é pela prática desta ciência, que manteve sempre e ainda  mantém a massa submissa dócil, para o que acena com o exterior que, fundamenta-se estritamente em retributivos, via de regra além-túmulo, que é variável segundo o crédito pelos mecanismos do ato e subserviência.

A psicologia sugestiva explora os extremos sensitivos do homem, que são: o medo e a vaidade.

A Saulo de Tarso, que foi mestre na arte da sugestão, cabe o título de coordenador da psicologia influente via exotérico, para execução dos seus planos políticos no solapar de um império.

É esta herança dos líderes de todas as filosofias e religiões, que mantém ainda em oculto o esotérico, base da filosofia político-sócio-evolucionista do grande líder fraternalista humanitário que foi o Mestre de Nazaré.

Isto é compreensível pelos interesses de grupos e classes suscitados pela sociedade materialista de existência limitada do berço ao túmulo, o que não se pode entender, todavia, cabível num âmbito que se declara ser ciência, filosofia e religião eminentemente evolucitária, fundamentada em fatos, e que se jacta de esclarecedora do “espírito (alma) das verdades” contidas nos evangelhos. Urge novos rumos, nova mentalidade com fundamentos na ROCHA DA REALIDADE CRISTÃ.

[1] Esotérico – Diz-se de ensinamento que em escolas filosóficas da Antiguidade grega, era reservado aos discípulos completamente instruídos.

[2] Exotérico – Diz-se de ensinamento que, em escolas da Antiguidade grega, era transmitido ao público, sem restrição, dado o interesse generalizado que suscitava e a forma acessível em que podia ser exposto por se tratar de ensinamento dialético provável, verossímil.

 

Irmão Lúcio

(recebido por via mediúnica)